Por José Eli da Veiga – agrônomo, economista e professor da USP
Para que se faça uma avaliação do que parece ser a melhor notícia de 2014, será necessário ter em conta o contexto histórico mas geral da questão. Por isso, pode ser útil a leitura (ou releitura) do curto epílogo do livro A Desgovernança Mundial da Sustentabilidade (Ed. 34, 2013), transcrito abaixo:
A alternativa disponível é a aposta na construção de uma “Comunidade Pacífica”, adequada à coevolução da relação sino-americana. Com ela, os dois países poderiam buscar seus imperativos domésticos, cooperando sempre que possível e se ajustando de modo a minimizar o conflito. Um lado não endossaria todos os objetivos do outro, muito menos presumiria total identidade de interesses, mas ambos buscariam identificar e desenvolver interesses complementares.
É fundamentalmente dessa alternativa que depende um acordo no G-20 para que seja destravado o maior de todos os determinantes da sustentabilidade: o processo de descarbonização. Em vez de esperar que em 2015 surja algum consenso sobre metas de redução das emissões dos sistemas produtivos nacionais, aplicáveis somente a partir de 2020, muito melhor seria um acordo sobre a tributação do consumo de carbono, mesmo que restrito aos 45 países que estão no G-20. Tal resolução daria um impulso crucial à inovação tecnológica no âmbito das energias renováveis, enquanto a menos nociva das energias fósseis, o gás, ajudaria nessa transição.
Isso significa que pode ter menos importância do que parece a chamada “trajetória avançada” da União Europeia, Coreia do Sul e Japão, assim como a tendência “conservadora” da Índia e da Rússia, que foram tão enfatizadas por Eduardo Viola e colegas. Incomparavelmente mais importante é saber em que ritmo os Estados Unidos e a China “avançam de forma moderada”.
Ainda mais distante da avaliação feita acima está aquilo que Sérgio Abranches considerou em 2010 ser uma “agenda realista, factível e relevante”: introduzir no veio multilateral formal da ONU o Acordo de Copenhague, para que fosse fortalecido e aprofundado, como processo voluntário, por adesão, mas que poderia se tornar cada vez mais politicamente vinculante.
O que a governança da sustentabilidade pode sim esperar da ONU é que tenha êxito seu procedimento já em curso para que os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) venham a substituir, em 2015, os atuais Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), por mais que seja simplesmente impossível saber se tais ODS serão adequados à necessidade de redução das Pegadas Ecológicas do Norte, com simultânea redução das desigualdades socioeconômicas globais. Mesmo na hipótese de que venham a sê-lo, será necessário muito tempo para que comecem a ter impactos efetivos na orientação das políticas nacionais.
Tudo isso parece indicar que, além de ser demasiadamente otimista, pode não ter sentido algum a previsão evocada no prólogo deste livro, segundo a qual uma virada rumo a um mundo sustentável poderia ocorrer em 2020, separando a atual etapa de “turbulência” de uma “época da transformação”. O mais provável é que turbulência e transformação continuem em franca simbiose, e que jamais se estabeleça tal alternância ou clara dominância de uma sobre a outra.”
Fonte: zeeli2012 mailing list
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Imagem: zelmar.blogspot