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Japão: Agora o risco nuclear

Por Sérgio Abranches

Japão entra em fase de alto risco nuclear. Há perigo iminente de derretimento do núcleo do reator 3 de Fukushima. É um risco sério. Mas ainda se parece mais com Three Mile Island, do que com Chernobyl. Entretanto, há uma regra de ouro para análise de risco de desastres e para a cobertura de desastres: desastre nunca segue o roteiro previsto ou imaginado. Sempre há o inesperado. No caso do Japão, o inesperado foi o grau de intensidade do terremoto, 8.9 ou 9.0 na escala Richter, a violência do tsunami que se seguiu, a decorrente perda de controle sobre os sistemas auxiliares de geração de energia e do sistema de refrigeração do núcleo do reator.

São seis as usinas em perigo. A maior fonte de preocupação é a unidade 3 de Fukushima, que sofreu uma explosão de hidrogênio nessa segunda. Ela tem uma mistura de óxido de plutônio e urânio (MOX), que segundo os cientistas que estudam processos em usinas nucleares de água leve agravam as consequências de acidentes severos nos quais grandes quantidades de gás radiativo e aerossóis são liberados no ambiente externo. Isso porque o combustível de tipo MOX contém maior quantidade de plutônio e outras substâncias, chamadas actinídeos, como o amerício e o cúrio que têm alta rádio-toxicidade.

O núcleo com material radiativo é resfriado a água, que deve cobrir inteiramente, o tempo todo, as barras com pastilhas de material nuclear. O que aconteceu é que a água na cápsula de segurança da unidade 3 baixou três metros, deixando as barras a descoberto, o que provoca aquecimento muito perigoso. Eles bombearam água do mar na cápsula, o que é uma medida extrema, porque ela é corrosiva e pode destruir o reator. Mas o medidor indicou que a água parou de subir e deixou 2 metros das barras a descoberto. Eles não sabem se é erro de medição ou se água realmente não subiu e as barras estão expostas. A queda no nível de água ocorreu mais de uma vez. Risco muito alto. O maior perigo é uma reação nuclear fora de controle, que poderia derreter a base de concreto da cápsula e produzir um grande desastre nuclear. Nesse momento não se pode descartar a possibilidade, embora a probabilidade seja baixa. Questão chave agora é saber se os operadores conseguem manter a cápsula de segurança intacta e controlar, isolar e conter o material radiativo, para evitar a dispersão de radioatividade pelo ambiente.

O que chama atenção nesse caso é o seguinte: o Japão tem um dos melhores índices de qualidade de segurança, tecnologia de construção resistente a terremotos e prevenção e prontidão em desastres. Mesmo assim, se mostrou muito falível e vulnerável. O grau de controle sobre o que se passa na cápsula de segurança é menor do que se poderia imaginar. A possibilidade de falhas é real. E houve falhas. As ações de gestão de risco têm sido em tempo adequado e as medidas são exatamente as indicadas pelos cientistas para casos como este. Mas o inesperado sempre acontece. Quando foram construídas as usinas nos anos de 1970, nem se imaginava a possibilidade de um terremoto de 8.9-9.0 graus. Foram construídas para resistir a abalos de 7.5.

Houve falhas importantes de comunicação com a mídia e com as comunidades. Mas, a defesa civil e o serviço de segurança nuclear mostraram que têm, de fato, alto padrão de qualidade. Mesmo assim, nem os operadores, nem as autoridades do setor de energia nuclear do país têm absoluto controle sobre o que se passa nas instalações afetadas.

O mundo todo está apreensivo. O incidente no Japão, considerado referência em segurança civil, correndo o risco de se tornar palco de sério acidente nuclear, põe em questão todos os protocolos de segurança em uso por toda parte. A governança nuclear está em cheque. A chanceler da Alemanha, Angela Merkel, determinou revisão de segurança imediata em todos os reatores do país. A oposição à energia nuclear aumenta no mundo todo.

No Brasil temos ainda mais razões para apreensão. O ex-ministro do Meio Ambiente de Lula, Carlos Minc, atual secretário de Meio Ambiente do Rio de Janeiro, lembrou ontem em seu Twitter que há 25 anos teve “de ganhar ação na Justiça Federal para obrigar Angra 1 a fazer plano de contingência e emergência”. A questão não é apenas de tecnologia nuclear. É também de capacidade de governança, em todos os níveis, desde a qualidade da regulação, até a capacidade de ação dos governos federal, estadual e municipal, no caso de um acidente. Basta lembrar o número de perdas e as dificuldades de resgate que um deslizamento relativamente pequeno por causa de chuvas fortes causou em Ilha Grande, Angra dos Reis, no final de 2009.

No Japão há treinamento sistemático e disciplinado, com exercícios frequentes de toda a população, para cada tipo de emergência. Nas escolas, o treinamento em acidentes faz parte do currículo permanente. No Brasil nada disso se faz.

Como diz a regra que abriu esse comentário, o real nunca segue o roteiro previsto. O inesperado acontece. No caso do Japão, uma sequência rara e de baixa probabilidade, devastou a região de costeira de Sendai, matando milhares de pessoas. O tempo entre o terremoto de 8.9 graus e o tsunami foi muito curto e não deu tempo de evacuar a linha costeira.

A combinação entre o mega-terremoto e o violento tsunami teve repercussões inesperadas nas seis usinas nas redondezas do local mais afetado. Os geradores a diesel não funcionaram, os sistemas de fechamento automático das usinas aumentaram o risco de aquecimento. Os sistemas de refrigeração do núcleo entraram em colapso. A pressão e o acúmulo de hidrogênio provocaram explosões em duas delas, que destruíram a cobertura secundária de concreto. Essa não é a sequência completa de eventos, que não repetirei aqui. Serve apenas de ilustração. Um cenário com a sequência completa de eventos, incluindo mais de 300 choques secundários com expressiva frequência de abalos de grau 5.0 ou superior, seria considerado, corretamente, de muito baixa probabilidade. E foi ele que se verificou. O pior cenário após o colapso do sistema de refrigeração, que levaria a um gravíssimo acidente nuclear, continua de baixa probabilidade, mas já não pode ser descartado.

No Brasil, qualquer evento considerado de baixa probabilidade é descartado. Não estou falando de terremotos. Falo de todo tipo de evento, desde falha mecânica, passando por falha humana, até temporais que possam ter consequências estruturais inesperadas.

Não se adotam protocolos de precaução para eventos de muito baixa probabilidade no Brasil e é exatamente entre eles que se encontram os maiores perigos. É assim que os licenciamentos do Ibama estão sendo dados, é assim que se regula todas as áreas de risco no país, da saúde pública ao meio ambiente; dos medicamentos aos transgênicos; da aviação civil às obras de engenharia viária. Não vi elementos que me convencessem de que não seja assim, também, com energia nuclear.

Definitivamente, o Brasil não tem defesa civil, sistemas de prontidão e prevenção de acidentes nucleares compatíveis com o grau de risco que essas usinas apresentam. Não é uma questão de tecnologia, é uma questão de qualificação, disponibilidade de meios – recursos financeiros, materiais, veículos – e capacidade de planejamento do setor público. Uma questão de políticas públicas de qualidade, gestão de qualidade em todos os níveis, isolamento político de setores técnicos responsáveis pelas áreas de segurança e gestão de risco e acidentes. Enfim, um “software” de gestão e governança que não temos. Por isso é legítimo e pertinente rediscutir o plano de ampliação da geração de energia nuclear no Brasil, à luz do que ocorre agora no Japão.

Fonte: Ecopolítica

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