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Muito esgoto por m³

O problema do Rio Paraíba do Sul é reflexo de várias agressões, sobretudo do esgoto lançado no rio, cuja água também é usada para as pessoas beberem. De acordo com a Agência Nacional de Águas (ANA), o tratamento de efluentes domésticos na área do Paraíba do Sul limita-se a apenas 15% do total (54,5 milhões de m³/ano). Ou seja, 309,3 milhões de m³/ano (65.000 litros/ ano) de esgoto são despejados sem tratamento. Relatório do Instituto Chico Mendes (ICMBio) classifica os baixos índices como desoladores, “gerando óbvios inconvenientes, inclusive a possibilidade de disseminação de doenças de veiculação hídrica”.

Para tornar a água potável, a estação do Guandu gasta até 318 toneladas de produtos químicos por dia. Os números são da Associação de Empregados de Nível Universitário da Cedae. Guandu abastece 10 milhões de pessoas na Região Metropolitana do Rio.

A sujeira doméstica não é o único problema do rio. A vegetação das margens — fundamental para evitar erosão, manter a qualidade e o volume das águas — está praticamente destruída. Barramentos para hidrelétricas, despejos industriais, mineração, agrotóxicos, desvios do curso da água, introdução de espécies exóticas e pesca predatória fazem parte do rol de impactos ambientais que atuam no Paraíba do Sul. A região paga o preço histórico de ficar incrustada justamente na área mais industrializada do país.

Fonte: G1

Primeiro foi a energia. As principais hidrelétricas na calha do Rio São Paraibuna (de 1978, em Paraibuna, São Paulo), Santa Branca (em Jacareí, São Paulo, de 1960), Funil (em Itatiaia, desde 1969) e Ilha dos Pombos (entre Rio e Minas, 1924). Há, ainda, a barragem de Santa Cecília, operada pela Light (1952), desviando algo como 109 metros cúbicos (m³) por segundo, alimentando usinas hidrelétricas e o sistema Guandu.

Cada vez que o fluxo de água é alterado com os barramentos, aumenta a decantação e a qualidade da água se altera. Além disso, as barreiras físicas atrapalham o fluxo de seres vivos ao longo do rio, o que é fatal para os peixes de piracema (quando as fêmeas sobem rio acima para desovar).

Outros impactos também são decorrentes da criação das usinas. De acordo com o Plano de Ação Nacional para a Conservação das Espécies Aquáticas Ameaçadas de Extinção da Bacia do Rio Paraíba do Sul (PAN Paraíba do Sul), que começou a vigorar em dezembro de 2010 e tem dez anos de vigência, a barragem do Funil é um dos pontos críticos. A área do entorno sofre com a degradação. O PAN Paraíba do Sul classificou de acanhado o reflorestamento feito por Furnas, que opera a unidade, e “não vem atendendo às expectativas”.

Houve a diminuição drástica ou mesmo o desaparecimento de peixes próximos ao barramento. E “não existe intenção de Furnas em implementar programas para proteção da fauna aquática para manutenção da diversidade da ictiofauna nativa ou para repovoamentos programados e controlados”, critica o documento. Este trabalho é coordenado por dois centros de pesquisa do ICMBio — Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Peixes Continentais (Cepta) e Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Répteis e Anfíbios (RAN).

Ambientalistas também reclamam da barragem do Funil. De acordo com Eliel de Assis Queiroz, diretor da ONG Instituto Agulhas Negras (Inan), o metal pesado que decanta é revirado quando Furnas faz a limpeza do fundo. Além disso, há pesca predatória, inclusive com arrasto, que também raspa o leito cheio de contaminantes.

— Não há qualquer controle da qualidade dos peixes que saem daqui. Além disso, as operações de limpeza do fundo deveriam ser avisadas, transparentes e monitoradas. O controle da qualidade da água tinha que ser feito, pelo menos, de três em três meses, por três organizações diferentes e independentes — diz Queiroz. — Estamos concluindo um relatório no qual vamos propor o zoneamento e o plano diretor. É preciso atribuir responsabilidades, criar metas e mecanismos de cobrança. A represa do Funil é a caixa da água do Rio de Janeiro.

Furnas, por sua vez, informou, em nota, que colaborou com a criação do PAN Paraíba do Sul. Na época do licenciamento corretivo da hidrelétrica de Funil, concluído com a Licença de Operação do Ibama em 14 de julho de 2012, “foram estabelecidas condicionantes que resultaram no desenvolvimento de 15 programas e quatro subprogramas ambientais, entre eles Programa de Recuperação de Erosões e Áreas Degradadas, Programa de Monitoramento Limnológico e de Qualidade da Água e Programa de Reflorestamento e revegetação de Áreas de APP (áreas de preservação permanente)”.

Os programas estão previstos para começar a partir de 2013, como o que vai, em cinco anos, revegetar e isolar a faixa de sua propriedade no entorno do reservatório com 600 mil árvores. Outro programa, de dez anos, vai fomentar o reflorestamento de áreas de terceiros. A companhia só pode atuar autonomamente numa faixa de cinco metros de largura a partir da margem do espelho d´água e nas ilhas do reservatório. Quanto à limpeza do fundo, o procedimento é mensal e amplamente divulgado entre técnicos, população e turistas, alega a companhia.

O Clube Náutico de Resende, que funciona nas margens da represa do Funil, perde sócios. Seu presidente, Braz Tranin, culpa a falta de peixes no local, decorrente da pesca predatória e da poluição.

— Acabei de perder um sócio. Depois de três vezes sem nem um peixe, ele cancelou o título — reclama Tranin, que admitiu o frequente desrespeito ao defeso. — Tá na época do defeso, mas não tem fiscalização. Aliás, tem gente com carteirinha de pescador só para receber a indenização do defeso.

Peixes e quelônios (como os cágados) estão entre as 40 espécies de vertebrados ameaçadas de extinção no Paraíba do Sul, de acordo com o PAN. Entre eles o cágado-de-hogei, que só ocorre na bacia do rio. Além disso, há um número desconhecido de invertebrados (principalmente lagostas e camarões de água doce) que sobrevivem em perigo.

Aumentar a população dos animais ameaçados está entre as 12 metas, detalhadas em 56 ações, do PAN Paraíba do Sul. Para realizar todas estas iniciativas, seria necessário investir R$ 17 milhões em dez anos.

— Não queremos um documento para ficar no papel — afirma a bióloga e analista ambiental do ICMBio Carla Polaz, uma das coordenadoras do PAN. — O efeito prático do PAN, na realidade, ainda está aquém do esperado. Daqui a oito anos, quando o plano acabar, meu desejo é que possamos sentir o efeito na melhora da qualidade da água, no retorno dos peixes, coisas deste tipo.

Para recuperar os estoques de peixes, uma das estratégias é fazer o processo de reprodução em laboratório. Controlando a ação de predadores, milhares de filhotes de peixes, chamados de alevinos, são soltos no rio. A questão, no entanto, é polêmica.

— Quando a reprodução ocorre em cativeiro, há chances maiores de haver cruzamento de irmãos. Isso acaba por empobrecer o material genético da espécie. Defendemos a prática no PAN porque são espécies ameaçadas e nativas. O Paraíba do Sul sofre demais com peixes exóticos, como o dourado, bagre africano e a tilápia — explica Carla.

Em Itaocara, o Projeto Piabanha trabalha na recomposição de estoques de peixes. De uma fecundação no laboratório da ONG, 80 mil ovos são aproveitados. Isso gera 60 mil larvas, que vão para os tanques, gerando 15 mil peixes, que acabam sendo soltos no Paraíba do Sul. A organização conta com o patrocínio do Comitê de Integração da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul, da Agência da Bacia do Rio Paraíba do Sul (Agevap) e do Grupo MPE, além de outros parceiros.

— Estamos em franco processo para iniciarmos o monitoramento da biota aquática — explica Guilherme Souza, diretor técnico da ONG. — Atuamos num trecho ainda não fragmentado por barragens hidrelétricas. Além disso, as ilhas fluviais tiveram a vegetação das margens preservadas.

O Instituto Estadual do Ambiente (Inea), órgão do governo do estado do Rio, analisa em alguns pontos a água do Paraíba do Sul. Em Volta Redonda, José Roberto Araújo, mais conhecido como Zé do Peixe, chefia o setor de monitoramento e informação ambiental.

— O peixe é o melhor indicador da qualidade da água. A qualquer intervenção no rio, alguma espécie vai responder de forma positiva ou negativa. Um peixe de piracema vai acabar se houver uma barragem em seu caminho — explica Araújo. — Hoje o que mais prejudica o rio é o esgoto. Além dos problemas industriais, a grande questão hoje é o esgoto sanitário, que desce todo dia. Com as melhorias nos processos industriais, e o acordo feito com a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), as anomalias que já registramos em peixes praticamente acabaram.

De acordo com Edson Giriboni, secretário estadual de Saneamento e Recursos Hídricos de São Paulo, os paulistas descartaram, nos próximos anos, os projetos de captação de água do Paraíba do Sul para o abastecimento da Região Metropolitana. Giriboni também é presidente do Comitê de Integração da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul (Ceivap). Ele diz que é necessário investir mais em saneamento básico.

— O Rio de Janeiro trata 5,7% do esgoto coletado na bacia hidrográfica, Minas Gerais, 7,2% e São Paulo 54,3% — afirma Giriboni. — Para os próximos quatro anos, o Ceivap vai investir R$ 32 milhões para esgotamento sanitário na bacia hidrográfica.

Outro problema, que só agora começa a ser discutido no Rio Paraíba do Sul, é relacionado ao aquecimento global. As mudanças climáticas vão fazer os eventos climáticos se tornarem mais severos. As secas ficarão mais intensas e as chuvas mais fortes. No livro “Paraíba do Sul. Um Rio estratégico”, recém-publicado pela editora Casa da Palavra, o engenheiro Victor Coelho, ex-presidente da Feema (órgão estadual que foi incorporado pelo Inea) relembra a seca de 2003:

— O Paraíba do Sul enfrentou uma situação drástica em 2003. Eventos climáticos extremos podem colocar em risco o abastecimento de 14 milhões de pessoas, sem falar nas indústrias, na geração de energia, irrigação agrícola, dessedentação de animais.

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Link para atribuição de créditos: http://recicloteca.org.br/_bak_site_asp_2005/blog/?p=10964

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