Por Helio Mattar, Diretor-Presidente do Instituto Akatu pelo Consumo Consciente
A adesão dos consumidores ao consumo consciente deve ser analisada a partir de dois pontos de vista: atitudes e comportamentos. “Atitude” significa o grau de adesão a valores e conceitos relacionados à sustentabilidade e ao consumo consciente. Já o “comportamento” está ligado à prática cotidiana de ações de consumo consciente que gerem impacto positivo (ou menos negativo) para o meio ambiente, a economia, o bem-estar pessoal e a sociedade como um todo.
As atitudes, sem a prática de consumo, são um primeiro passo, demonstrando que há uma sensibilização para a importância do tema. O que se busca é que, de fato, haja uma adesão a comportamentos de consumo consciente que se transforme em uma nova cultura na forma de consumir.
Se tomarmos o consumo de água, o aumento populacional e o estilo de vida dominante vêm levando ao crescimento da demanda individual por este recurso tão precioso. Este fato, aliado à limitação crescente no volume disponível de recursos hídricos de boa qualidade, apontam para um importante papel a ser desempenhado pelos consumidores no enfrentamento do problema de escassez de água.
A pressão sobre a água é crescente, seja pelo aumento das populações nas cidades, seja pela poluição das águas, seja pelo aumento da produção da agroindústria, que consome muita água. Segundo a ANA (Agência Nacional de Água), a agricultura aparece disparada como o maior consumidor deste recurso: de cada 100 litros de água consumidos no país, 81 litros ficam na irrigação e no abastecimento animal. Vale destacar que apenas o consumo dos nossos rebanhos animais empata com o consumo de toda a população de 190 milhões de brasileiros.
Esses dados alertam para a necessidade de, além do cuidado no uso doméstico desse bem tão escasso, os consumidores cuidarem também do uso da água nas cadeias produtivas dos produtos e serviços por eles consumidos.
É bastante claro que, frente ao uso majoritário da água na agricultura e pecuária, para que haja uma redução significativa no uso de água não basta o esforço, ainda que importante, de redução de desperdício no uso doméstico. É preciso influenciar o padrão de produção, buscando fazer com que no Brasil, e em todo o planeta, sejam produzidos os mesmos produtos e serviços utilizando menos água, especialmente quando se tratar de produtos gerados da agricultura. Isto somente é possível por mudanças nos métodos de produção agrícola de forma a reduzir o uso de água por unidade de produto.
O relatório Estado do Mundo – 2010 caracteriza o momento atual como sendo do “Consumismo para a Sustentabilidade”, subtítulo do relatório lançado no Brasil em uma parceria entre o Instituto Akatu e o Worldwatch Institute. Naturalmente, o gasto com água, em qualquer de suas formas, faz parte desse esforço.
Segundo pesquisa do Akatu, 71% dos consumidores brasileiros declaram “fechar a torneira quando escovam os dentes” o que estatisticamente se relaciona também com outros cuidados para não desperdiçar água. Isto é, quem fecha a torneira para escovar os dentes, tende também a reduzir o desperdício em outros usos da água.
É possível até mesmo que se trate apenas de uma declaração de intenções por parte dos consumidores e não de comportamentos efetivamente estabelecidos. No entanto, o próprio fato de que os consumidores declaram praticar tal comportamento mostra que existe uma consciência da importância de adotá-lo, indicando não ser uma tendência efêmera ou uma moda, mas uma mudança que vem para ficar.
De outro lado, vem sendo utilizados selos de certificação e os rótulos em produtos contendo informações sobre a emissão de carbono ou outros aspectos referentes aos impactos ambientais ou sociais de uma dada empresa ou de um dado produto. Estes servem o propósito de informar o consumidor e permitir que sua decisão de consumo também leve em consideração aspectos ambientais ou sociais.
Inspirados por selos e rótulos dessa natureza, neste mês em que comemoramos o Dia Mundial da Água, o aniversário de 10 anos do Instituto Akatu e o Dia do Consumidor, faço uma proposta que, ao lado de ser inovadora, seria simples de ser entendida pelos consumidores: que se busque estabelecer entre as empresas de cada setor uma forma de declarar, nos rótulos dos produtos, a quantidade de água por unidade de medida (por litro do produto, por 100 gramas do produto etc). Para que haja uma homogeneidade de critério tanto na forma de cálculo quanto na apresentação do resultado no rótulo, seria importante que fosse envolvida a ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas, órgão neutro que pode contribuir para tornar comparáveis os valores apresentados nos rótulos dos diversos produtos pelas diversas empresas.
A essa informação se dá o nome de “pegada da água”, isto é, o número de litros de água consumidos em toda a cadeia de produção, industrialização e transporte por unidade de um dado produto. Esse seria um instrumento da maior importância para orientar os consumidores em seu processo de escolha de produtos. Ao saber a água gasta na cadeia de produção de um dado produto consumido cotidianamente, o consumidor poderá optar por produtos e marcas que, por unidade de produto, tenham a menor quantidade de água.
Essa ação complementará a busca de redução de desperdícios em casa, buscando tomar banhos mais curtos, escovar os dentes com a torneira fechada, não “varrer” o chão com a mangueira de água etc.
Após a implementação de um rótulo com essas características, é possível pensar em uma segunda etapa, buscando um processo de certificação, isto é, um processo no qual terceiros independentes garantem que os dados apresentados pela empresa são de fato confiáveis, o que aumenta o conforto do consumidor ao utilizar a informação contida no rótulo.
No entanto, isto não quer dizer que, em não havendo certificação, um selo ou rótulo não tenha valor informativo ou confiabilidade quando são selos ou rótulos auto declaratórios, isto é, contendo informações dadas pela própria empresa. Dada a enorme exposição proporcionada pelas mídias digitais e pelos meios de comunicação de massa, as empresas certamente não farão afirmações de má fé que possam ser desmentidas, colocando em risco a sua credibilidade e de suas marcas.
Para as empresas, pode ser uma grande oportunidade de aperfeiçoamento de seus processos na direção de inovar tecnologicamente e de redução de desperdícios, além da inegável valorização de sua marca junto ao consumidor. Afinal, como comprovam as pesquisas do Akatu, o consumidor brasileiro declara premiar as empresas pelas suas práticas de responsabilidade socioambiental, comprando seus produtos e as recomendando a amigos e familiares, valorizando especialmente os programas de redução de uso de água pelas empresas.
Claramente, o viver sustentável não é mais – seja para consumidores, empresas ou governos – uma questão de escolha, mas sim de sobrevivência. É absolutamente essencial a mudança do padrão atual de produção e de consumo, caso contrário se aprofundarão os riscos já existentes para a vida no planeta. Segundo o relatório Planeta Vivo 2010, da WWF, hoje a humanidade já consome 50% a mais do que a Terra é capaz de repor em recursos naturais. E isso acontece quando apenas 16% da população mundial consomem 78% do total de recursos extraídos da natureza.
Portanto, não apenas é preciso explorar os recursos naturais dentro de limites que preservem o equilíbrio dos ecossistemas, mas é também preciso uma melhor distribuição dos recursos extraídos. O desafio é enorme e nenhuma solução ou agente social individualmente será capaz de resolvê-lo. Um rótulo informando sobre o uso da água na cadeia produtiva de um dado produto pode mobilizar o consumidor a contribuir para a redução do uso desse recurso tão escasso e que já falta em um enorme número de lares no Brasil e no mundo.
Fonte: Mundo Sustentável. Texto originalmente publicado na Revista Plurale.
Se você quiser seguir a Recicloteca no Twitter, clique aqui.
Gostou dos textos? Detestou? Queremos saber!
Deixe aqui seus comentários, criticas e sugestões!
Estamos fazendo o blog para vocês e
ele é uma construção conjunta.
Ajude-nos a melhorá-lo!