Catador em Jardim Gramacho, escalando lixo, sente a poeira social de perto. Foto: Marcos Prado
Alguns capítulos dramáticos de nossa história insistem em não acabar. Os anos de chumbo do Brasil guardam histórias inacabadas de vidas ceifadas ou ‘sumidas’, em que a justiça não é feita por conta de anistias que parecem perpetuar a tortura daqueles porões, mas agora nas famílias dos que foram perseguidos e nunca puderam enterrar seus entes mortos.
O lixão de Gramacho só poderia ter sido criado na época da ditadura militar, quando a razão era sobrepujada pelo medo, pela tortura e pela bala. Foi criado então um depósito de lixo na esquina do Rio Sarapuí com a Baía de Guanabara, em cima de um manguezal. Tal absurdo cometido na cidade de Duque de Caxias durou longos 34 anos e foi encerrado em junho de 2012 com a promessa do Prefeito Eduardo Paes de que jamais seria admitida tal violência no local novamente, nas palavras dele.
Poeira do lixão continua a subir
Soubemos em 23 de julho de 2012 em matéria do Jornal Nacional que o lixão apenas mudou de lugar em Jardim Gramacho e a desejada justiça ambiental está parecendo com a justiça criminal que deveria julgar os crimes da ditadura. E aquela talvez anistie os que agora mantém o bairro sob a nuvem do pó do lixo, torturando as pessoas que ali vivem como se fossem os ‘subversivos’ de outrora. E são apenas pobres.
Mas, ao contrário de nossa mancha passada, esta é mais que responsabilidade dos três poderes. Embora o lixo do Rio de Janeiro não vá mais para Jardim Gramacho a população carioca ainda é co-responsável pelo lixo que continua sendo vazado na cidade vizinha. Foi por conta de nossos restos que esse fechamento foi adiado por 14 anos e quando concluído, apenas iniciou outro capítulo desta história de terror que não acaba nunca. Compactuamos com qualquer medida, por pior que seja, só porque o lixo continua a ser retirado convenientemente de nossas casas.
Desperdiçamos muito, sujamos as ruas, ignoramos a coleta seletiva e assim a administração pública de cá e de lá, aproveita para continuar empurrando para debaixo do tapete (em lixões e aterros) nossos equívocos erroneamente chamados de lixo sem serem importunados pela Justiça. Aliás já não sabemos se ela realmente existe ou mesmo se a queremos. Ela poderia nos mostrar que nos escapou o quanto a vida alheia merece respeito, mesmo que seja de vizinhos que não conhecemos e nem iremos, pois há uma nuvem de poeira de lixo incessante nos isolando. Que lástima…
Mas há esperança e ela aparece todos os dias na Recicloteca na forma de pessoas de todas as partes do país que buscam informações e agem em prol de um presente melhor. Elas estão praticando os 3 Rs, evitando o desperdício, reaproveitam o que podem e enviam para a reciclagem o que sobra. Menos de um terço de suas inevitáveis sobras cai nesse sistema caro, ineficiente e efêmero. Ajudam assim a apontar um caminho diferente para o que parece não ter solução, mas tem sim e está ao nosso alcance. Você pode mudar essa história, basta querer se informar e agir.
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